30/03/2011 - 08h42
 Karina Aparecida Chicória, 27, ficou tetraplégica aos 14 anos, após levar uma facada na nuca que atingiu a coluna cervical. 
 Ela chegou a tentar o suicídio, ao mover o pescoço para tirar o  respirador. Aprendeu a usar a boca para pintar e para navegar na  internet. 
 Ela viveu por 13 anos no HC (Hospital das Clínicas) de Ribeirão Preto  (313 km de São Paulo) e era considerada a mais antiga moradora da  instituição. Ela volta hoje para casa. Veja seu relato: 
 Faltava quatro meses para meu aniversário de 15 anos. Me lembro bem da  data de quando tudo aconteceu, 13 anos atrás. Estava na casa de uma  amiga, que cuidava de uma bocada de drogas. 
 Outra colega, a Cirley, que queria visitar o namorado na cadeia, me pediu para ficar no lugar dela. Em troca, me daria R$ 80. 
 Eu aceitei. Eu tinha 14 anos, era uma época que eu estava meio  revoltada, com más companhias. Nunca havia experimentado droga, só  maconha, nem vendido. 
 Ela me deu 28 papelotes de cocaína. Vendi um deles, mas depois percebi que havia perdido um. 
 Tive então uma ideia. Sabia que as meninas abriam os papelotes, pegavam  um pouco de cada e refaziam um outro para vender e ganhar dinheiro.  Pensei em fazer isso para repor a perda. 
 Estava terminando [o serviço] quando chegou o dono da droga. Ele ficou  furioso com a Cirley e ela, brava comigo porque perdeu o emprego. Eu  estava encostada no portão quando senti um negócio passar no meu  pescoço. Era ela [a Cirley], que veio por trás e me deu uma facada na  nuca. Antes de cair, eu a vi com a faca. 
A notícia 
 Minha cirurgia durou oito horas. Depois, foram 18 dias em coma e seis  meses no CTI. No dia seguinte [à cirurgia], acordei com minha mãe me  chamando. Eu me lembrava de tudo. Só xingava e queria me vingar da  menina. 
 Três meses depois veio a notícia. A médica veio e disse que eu ia ficar tetraplégica. Perguntei: "o que é isso?" 
 Ela disse que eu perdi os movimentos do pescoço para baixo e que ficaria  dependente de um respirador. Eu perguntei até quando. Ela respondeu:  "Até quando Deus quiser". 
 Só chorava. Era conversar comigo que eu chorava. Foi assim uns quatro meses. 
 Até que o médico me deu uma bronca. "Já te expliquei várias vezes o que  você tem e não é para você ficar chorando. Essa é a última vez que você  vai chorar." E não chorei mais, só quando ficava muito triste. 
Vida no hospital 
 Fiz muitos amigos aqui. É uma segunda família. E muita gente já aposentou. 
 Voltei a estudar --parei na 3ª série. Agora, já conclui o ensino  fundamental. Também aprendi a pintar com a boca. Fiz oito quadros. 
 A internet me ajuda também. Tenho Orkut, MSN. 
 Converso com os pacientes novos, com os acompanhantes. Até o cantor Belo, meu ídolo, já veio me visitar. 
Suicídio 
 Há dois anos, entrei numa depressão feia, até tentei me matar. Tentei  tirar o respirador à noite, mexendo o pescoço. Só que não consegui. 
 Acho que Deus falou: "Vou dar um susto nela, para ela acordar pra vida."  Porque no outro dia, estava dormindo e o respirador saiu sozinho, sem  eu querer. 
 Quando as enfermeiras chegaram, estava perdendo a consciência. Pedi perdão a Deus, vi que não queria morrer, eu queria viver. 
Casa 
 Hoje [ontem] me despedi dos meus amigos do hospital [Ela volta hoje para casa]. 
 Planejei como seria a festa de despedida: as fotos projetadas em um telão, a música de fundo. Teve até convite. 
 Eu não via a hora de ir para casa. Tudo graças ao respirador que o  Estado enviou, à ajuda do pessoal do HC e também porque minha mãe poderá  ficar comigo. 
Sonho 
 Quero continuar estudando, terminar o ensino médio. No começo, queria  fazer enfermagem. Agora estou pensando em jornalismo, porque no hospital  criei um jornal mural. Meu desejo era ir para casa. E esse é o primeiro  sonho que estou realizando. 


 
 
 
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