sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Editora do UOL Ciência e Saúde
01/08/2008 - 08h00

Enfrentar uma doença é, na melhor das hipóteses, desagradável. Aprender sobre ela também não é muito empolgante, a não ser que você seja um profissional de saúde com bastante vocação. A tarefa fica mais fácil quando a lição envolve cenário, maquiagem, trilha sonora, luzes e movimentos de câmera. Talvez por isso seja tão comum médicos e psicoterapeutas indicarem filmes para seus pacientes. Afinal, não é difícil ter pelo menos uma idéia do que é a esquizofrenia depois de assistir ao drama de John Nash, o matemático interpretado por Russell Crowe em "Uma Mente Brilhante". Ou do que é o TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), que aflige o personagem de Jack Nicholson em "Melhor é Impossível". E, até para os médicos, os filmes podem ser ferramentas para reflexões sobre ética e valores.
Difundir conhecimento sobre aspectos ligados a saúde e emoções por meio do cinema foi o objetivo de um projeto criado pelo Centro de Estudo e Pesquisas do Hospital Samaritano, em São Paulo, em 2001. Desde então, uma vez por mês, a equipe coordenada pela psiquiatra June Melles Megre escolhe um filme para ser exibido à comunidade, seguido de um debate. Segundo a médica, é uma forma de estimular a reflexão sobre as patologias e o autoconhecimento. "Poderia ser outra forma de arte, mas achamos que o cinema é mais acessível.
"Em uma etapa, o hospital exibiu filmes sobre temas ligados a psiquiatria, como o próprio filme sobre Nash, além de "Garota Interrompida" (sobre transtorno de personalidade 'borderline', ou limítrofe) e "O Lenhador" (sobre pedofilia), entre outros. Nos debates sobre sexualidade, um dos escolhidos foi "A Bela da Tarde". E, quando o assunto foi morte, "A Balada de Narayama" foi um dos pontos de partida.
O que importa, diz ela, não é a qualidade do longa-metragem, mas o quanto é possível extrair sobre determinada condição. É o caso de "Refém do Silêncio", estrelado por Michael Douglas, que, apesar dos clichês, é um dos poucos que trata bem a questão do estresse pós-traumático, na opinião da médica.
O filme que teve maior audiência no hospital, aliás, também está longe de ser uma obra-prima: você se lembra de "Encaixotando Helena", em que o médico interpretado por Julian Sands amputa as pernas e os braços de sua amada para cultuá-la? "O ciúme doentio leva a pessoa a tolher a outra; isso acontece na vida real", justifica a médica.
Megre diz que também indica filmes para seus pacientes de consultório. Por exemplo, quando se trata de alguém que está tentando largar a bebida, uma opção pode ser "O Show Deve Continuar", ("All That Jazz", em inglês). O musical, que também foi exibido nos debates sobre a morte do Samaritano, descreve as fases que em geral as pessoas experimentam ao lidar com algum tipo de perda: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação.
Claro que o cinema não tem, necessariamente, compromisso com a verdade, o que envolve riscos quando a idéia é explicar uma patologia para pacientes e familiares. É por isso que os especialistas são unânimes: a conversa depois do filme é imprescindível, para que se separe o joio do trigo, o "colorido" das telas dos fatos reais.
Se não houver orientação, a sugestão pode até atrapalhar, em vez de ajudar. Uma garota com anorexia que assista ao mexicano "Maus Hábitos", atualmente em cartaz, pode encarar a mensagem da personagem doente (uma mulher obcecada por dietas) como um incentivo à recusa em comer. E o simples fato de identificar sua condição nas telas pode gerar um sofrimento que, eventualmente, pode fazer mal ao paciente. "O filme 'Mar Adentro', por exemplo, é belíssimo, mas não é para ser visto a qualquer hora", comenta Megre, referindo-se ao drama de um tetraplégico que luta pelo direito de morrer.
"Filmes sobre doenças, em geral, são feitos a partir de uma pesquisa, mas não há aprofundamento", ressalta, também, a médica de família Priscila Baptistão. Ela cita o clássico "Óleo de Lorenzo" como exemplo de longa que, além de explicar uma doença, revela algo que tem sido cada vez mais comum nos consultórios: "Muitos pacientes fazem pesquisas sobre a doença, nem sempre em fontes confiáveis, e passam a questionar o tratamento", conta.
Na história real que inspirou o filme, o resultado foi positivo: inconformado, o casal mergulha em livros de medicina e acaba colaborando com a descoberta de uma terapia contra a enfermidade do filho. Mas, na maioria dos casos, o profissional tem de convencer os pacientes a tomarem o remédio prescrito, apesar dos efeitos colaterais. Ou explicar que a nova droga, anunciada como panacéia, pode ter efeitos indesejados a longo prazo - como sugere, com os exageros típicos de Hollywood, a ficção "Eu Sou a Lenda" sobre um vírus criado por cientistas para combater o câncer que acaba dizimando a humanidade.
Editora do UOL Ciência e Saúde
01/08/2008 - 07h59

Temas como medo, amor, traição, sexo e morte - que rendem bilhões à indústria do cinema - são a matéria-prima do trabalho dos psicólogos, analistas e psiquiatras. Indicar filmes para os pacientes, portanto, é extremamente comum entre os profissionais que lidam com o comportamento humano.
O conceito de "cinematerapia" é tema de livros como "The Motion Picture Prescription" ("O cinema como remédio", sem tradução no Brasil), do psicólogo Gary Salomon, e "Filmtherapy, I film che ti aiutano a stare meglio" ("Cinematerapia, os filmes que o ajudam a estar melhor", também sem tradução), do psiquiatra italiano Vincenzo Mastronardi.
Os especialistas acreditam que, observando uma situação de fora, é mais fácil refletir sobre nossas próprias atitudes e compreender melhor as reações do outro. Mas não há uma metodologia: a dica surge espontaneamente, de acordo com o momento da terapia. A única regra é que as impressões sejam discutidas depois.
Acostumado a lidar com os conflitos típicos da adolescência, o psiquiatra Jairo Bouer conta que já indicou filmes para aprofundar assuntos levados ao consultório. Na sua lista estão "Kids" ("mostra como a droga pode ter impacto na vida da pessoa"), "Elefante" ("trata do sentimento de exclusão e do bullying") e "Juno" ("aborda a questão da gravidez na adolescência").
Em um Grupo de Discussão publicado no UOL Ciência e Saúde no dia 15/07/2008, os internautas foram convidados a citar exemplos de filmes que tivessem sido úteis em alguma fase difícil da vida. "Closer - Perto Demais", sobre os conflitos amorosos de quatro personagens, foi um dos mais citados. A terapeuta de casal e família Poema Ribeiro entende a preferência: "É um painel vívido do que temos trabalhado no consultório: uma insatisfação constante em relação ao outro, porque as pessoas fazem apostas irreais". Como bem comentou um internauta, "Closer" é melhor que uma 'DR' (abreviatura para 'discutir a relação')".
Outros filmes mencionados no grupo também já foram "prescritos" pela terapeuta. "Sob o Sol da Toscana" é um deles: "É uma história sobre reconstrução pessoal e ensina que compartilhar a felicidade dos outros também pode nos beneficiar", interpreta Poema. Outro, mais recente, é "PS: Eu Te Amo": "lembra o quanto é importante olhar para o outro como ele realmente é". Nesse caso, levar o parceiro ao cinema pode ser mais terapêutico ainda.
Editora do UOL Ciência e Saúde
01/08/2008 - 07h59


Filmes sobre temas ligados a saúde não ajudam apenas os médicos a explicarem diagnósticos aos pacientes. Eles também ajudam os professores de medicina a explicar conceitos que não aparecem no microscópio aos alunos de faculdade.Esse foi o objetivo do médico Ricardo Tapajós, supervisor da divisão de moléstias infecciosas do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), ao escrever uma tese sobre o longa-metragem "E a Vida Continua".
O semidocumentário, de 1993, narra a trajetória de Don Francis, um médico que vivencia as primeiras descobertas sobre a Aids. Mostra o descaso das autoridades na fase inicial da epidemia, os primeiros casos confirmados da doença e a polêmica disputa do pesquisador americano Robert Gallo pela autoria da descoberta (o francês Luc Montagnier também havia isolado o retrovírus).
A análise de Tapajós não apenas gerou debates em salas de aula, como resultou na criação de uma disciplina na faculdade de medicina da USP, chamada "Cinema e Aids".
Tapajós explica que "...E a Vida Continua" aborda temas essenciais da medicina, como morte e sofrimento, segredo médico e eutanásia, só para citar alguns exemplos.
"Além da excelência técnica, o bom médico deve ter traços humanísticos, entender que o paciente tem valores diferentes dos seus", afirma. Se administrar a dose certa de penicilina é algo que se pode aprender nos livros, isso não vale para a maneira correta de contar uma notícia ruim para o paciente. E é aí que entra o papel das artes no ensino médico.
Para o infectologista, o próprio fato de muitos médicos indicarem filmes mostra como o exercício da profissão não está limitado ao conhecimento científico. "Recomendar um filme para reforçar o processo terapêutico transcende a prática médica - é algo que envolve a intuição."

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