quarta-feira, 18 de junho de 2008

Meu nome é Livio, por Fred Suter

Filho de cineasta de filmes policiais, Livio Bruni Filho saiu do hi-society para o mundo do crime. Prestes a deixar a cadeia ele nos dá essa entrevista


Livio Cecchini Bruni Filho, brasileiro, 55 anos, ficou conhecido, e muito, nos anos 80, como o homem que planejou mandar cocaína para os Estados Unidos, em latas de sardinha. Foi apontado pela polícia como homicida, integrante da máfia e chefe da maior quadrilha de tráfico de drogas do país naquela época. Em 1984, mesmo ano em que se complicou por aqui, fugiu para a Europa. Em 1996, foi preso e expulso da Espanha, condenado, em primeira instância, por tráfico e homicídio. Pena: 28 anos e seis meses.
Desde o dia 5 de junho, no entanto, ele está na iminência de ser colocado em liberdade condicional pela Justiça do Rio de Janeiro. Livio falou, com exclusividade, para PODER, deixando claro seu inconformismo por sua condenação e o posterior cumprimento da pena. Certamente não é o mesmo homem que chegou a Bangu, no presídio de segurança máxima. Divide uma cela de 80 m2 com mais 61 presos e, além da revolta com essa situação, mostra-se informado ao dizer que, desde 1974, existe uma lei federal que limita o número de pessoas por metro quadrado e vai fundo: “Não há chance de ninguém se recuperar, vivendo num massacre como esse aqui”.
O tempo utilizado na prisão para a leitura é agora ocupado com “um estudo contra o governo”, buscando, judicialmente, cobranças que podem render a Livio a quantia de R$ 500 mil pela “ intervenção injusta na seguradora de meu pai”. O que ele pretende fazer com o dinheiro? “Com 55 anos e saindo da prisão, o que eu posso fazer com o que vou receber? Comprar um iate, pegar a família e passear muito.” Ainda segundo ele, as acusações foram injustas e cumpriu uma pena tão longa graças, muitas vezes, às informações erradas publicadas pela imprensa brasileira: “Ninguém sabe nada da minha vida. A imprensa fala coisas, mas desde 1974 não tenho qualquer ligação com o crime”.
As mudanças vieram, mas a personalidade permanece a mesma. Ele continua inteligente, bem informado, engraçado e tem ainda outros traços marcantes: o sarcasmo e uma profunda incredulidade no ser humano. Quando lhe perguntei se estava entusiasmado pela proximidade da saída da prisão, respondeu: “Já gastei muito dinheiro com advogados para acreditar em tudo que me dizem. Apesar de ter um excelente advogado, prefiro esperar para ficar feliz quando isso realmente acontecer”. E, com muita firmeza, diz: “Este país é a coisa mais ridícula. Você conhece algum corrupto que tenha ficado na cadeia tanto tempo quanto eu? E, o pior, o dinheiro nunca aparece, nem vai aparecer, é claro”.
No presídio Esmeraldino Bandeira, no qual termina de cumprir sua pena, Livio é considerado pelos agentes penitenciários “um preso disciplinadíssimo”. Pergunto se é verdade e ouço com uma risada: “Disciplinado, muito comportado... um bom moço”.

O Passado
A família Cecchini Bruni era formada pelos pais, Livio e Fernanda, e por seus cinco filhos: Ana Maria, a mais velha, Livio, Franco, Fernanda e César – hoje reduzida a cinco integrantes. O pai, Livio, e a mãe, Fernanda, assim como César, morreram.
Livio Bruni, pai, foi cineasta, produtor e exibidor dos mais famosos. Teve uma rede com 100 cinemas, inclusive um circuito de salas com o nome dele. Seu maior concorrente era o grupo Severiano Ribeiro. Mas, antes de encerrar suas atividades, nos anos 80, movimentou a cena carioca, eternizando na memória dos moradores do Rio de Janeiro os célebres Roma Bruni e Super Bruni 70, cinemas que ficaram na história da cidade. Curiosamente, Bruni produziu e dirigiu dois filmes, entre outros tantos, cujos títulos – Assassinato em Copacabana e Agüenta o Rojão – podem, de alguma forma, contar um pouco a história de pelo menos dois de seus filhos: César e Livio.
O primeiro, César, foi personagem principal e real de uma tragédia. Em 1982, separado de Vicky Schnaider, modelo que ficou muito famosa naqueles anos, levou a filha, Natasha, de 2 anos e meio, para ficar alguns dias com ele, no apartamento de Copacabana, onde morava com a tia, Marilda, de 78 anos, que o criou. E, atormentado por não se conformar com a separação, além de estar envolvido com drogas, matou a filha, a tia e se suicidou.
O segundo, Livio, começou a se envolver com as drogas, e seu perigoso submundo, aos 12 anos. Primeiro, a maconha. Aos 15 anos, veio o LSD e, aos 19, a cocaína. Os pais, no entanto, nem poderiam supor essa má escolha, suas companhias eram os filhos de outros empresários, de banqueiros, de deputados e de governadores, garotos, a princípio, acima de qualquer suspeita. Paralelamente a isso, tornou-se amigo de personalidades da cena cultural do país, como Cacá Diegues, Domingos de Oliveira, Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha, com quem morou na Bahia e em Roma.
A escolha, porém, foi mesmo pelas drogas, apesar das 18 tentativas do pai, que o internou em clínicas para dependentes químicos. Perdeu as contas de quanto gastou. Começou subindo os morros e comprando para seu próprio consumo, passando depois a vender para os amigos. Levou, durante algum tempo, uma vida milionária, morando em hotéis de luxo cariocas, como o Copacabana Palace e o Sheraton. Os cassinos se tornaram mais um vício. Bruni Filho passou a jogar e apostar alto em Las Vegas e Montecarlo.
Em 1984, a polícia carioca conseguiu prender uma quadrilha, de 25 pessoas, envolvida no seqüestro de um dos diretores da Beira Alta, conhecida indústria distribuidora de azeite, azeitonas e sardinhas em conserva. Livio foi apontado como o chefão e autor do assassinato de um dos integrantes da gangue. Para piorar tudo, o corpo foi enterrado no sítio de Marcos Galvão, filho de outro sócio da Beira Alta, que acusou Bruni Filho em carta e acrescentou que o excomparsa pertencia à máfia, vendia drogas para morros do Rio e tentava extorquir os donos da empresa. Tempos depois, a explicação sobre o que, realmente, queriam fazer com a droga foi dada pelo próprio Livio. A idéia era enviar a cocaína nos contêineres da Beira Alta e não em latas de sardinha, utilizando a empresa num tráfico que alcançaria 500 quilos da droga por mês. A operação deixaria US$ 2 milhões em seus bolsos e revelou ainda que, durante meses, os banheiros dos aviões da Pan Am foram utilizados para o transporte do produto ilegal. A Beira Alta foi vendida em 1992 para a Arisco, por US$ 15 milhões.
Marcos fugiu para os Estados Unidos, morrendo de câncer em 1991. Livio fugiu para a Itália, onde acabou preso por falsificação de moeda e tráfico de drogas. Quando saiu da prisão italiana, viajou para a Espanha, sendo mais tarde acusado de assalto a banco e expulso do país, mandado de volta ao Brasil.

Chegando aqui
A volta ao Brasil não trouxe sofisticação ao novo endereço de Livio Bruni Filho. Pelo contrário, após ser preso, julgado e condenado, passou a ocupar uma cela em Bangu 1. Durante muito tempo, fez questão de dizer que era querido pela delinqüência a ponto de ganhar uma comarca – no linguajar dos presos, uma cama – só para ele, enquanto os outros se amontoavam. Passou a conviver com “personalidades” do mundo do crime, como Miltinho do Dendê, Pedrinho Maluco e o italiano Francesco Nicola. Sempre fez questão de ressaltar o tratamento excepcional que recebia da polícia, tanto da Federal quanto da Civil, segundo ele, de uma “fineza ímpar”, mas se recusava a comer o que era oferecido pelo sistema carcerário. Comia apenas nos dias em que as visitas levavam aquilo que gostava – duas vezes por semana. O resto do tempo não se alimentava. Aprendeu esse sistema na Espanha.
Em outubro de 1997 encaminhou ao juiz da vara criminal de Teresópolis – onde ocorreu o assassinato do integrante de sua quadrilha, do qual era acusado – um dossiê de dez páginas sobre o esquema de tráfico internacional que ficou conhecido então como o “caso da cocaína em latas de sardinha”. A atitude foi interpretada, na época, como parte da estratégia dos advogados de defesa, que pretendiam anular as penas impostas, baseados em hipotéticos erros do processo, e Livio sonhava em, dessa forma, ganhar dinheiro em processos contra os que o acusaram. A tentativa se mostrou inútil.
Em julho de 2003, fugiu do presídio Plácido Sá Carvalho, em Bangu, no qual cumpria pena em regime semiaberto. Voltou a ser preso em maio de 2005, na casa dele, em Itacoatiara, região oceânica de Niterói, no Rio, após tentar fugir pulando a cerca dos fundos da propriedade. Durante os três anos como fugitivo, teria fornecido cocaína a dois colombianos, que acabaram sendo presos pela Polícia Federal em São José dos Campos com 2 quilos da droga e que passaram informações como, por exemplo, o nome utilizado por Livio nessas transações: Alex. Bruni Filho foi autuado por posse ilegal de arma, uso de carteira de identidade e de motorista falsas. Foi levado para a Superintendência da Polícia Federal.

Até quando?
Os outros três irmãos de Livio, vivos, Ana Maria, Fernanda e Franco seguem suas vidas. Ana Maria é dona de uma pousada em Itacaré e tem um site chamado Território Mulher, na qual publica textos de sua autoria e atua como cidadã atenta e engajada em relação aos problemas do lugar onde vive. Fernanda Bruni – ex-modelo e mãe de Coy Clark, filho que teve de seu relacionamento com Walter Clark – , mora no Rio de Janeiro e, ocasionalmente, pode ser vista em colunas e eventos sociais. Franco, que foi casado com a polêmica Neusinha Brizola, em 1983 – contra a vontade de Leonel Brizola – inicial mente organizador de regatas marítimas, tentou a carreira de realizador de shows, mas sofreu grave revés a partir de 1998, ao trazer a banda irlandesa U2. Em 2000, numa entrevista ao jornal O Globo, dois dos integrantes do grupo, Bono Vox e Larry Mullen, afirmaram que Franco não havia cumprido com sua parte, pagando o valor acertado de R$ 8 milhões, por três apresentações. Bruni Neto tentou acordo com os artistas, mas como não chegaram a um ponto comum, entrou com uma ação por danos morais contra os dois músicos e o jornal O Globo, na 3ª Vara Cível de Santa Catarina, em Camboriú. O valor pedido na ação é de R$ 48 milhões, podendo atingir R$ 75 milhões com as atualizações monetárias, pois o processo é baseado no que Franco perdeu e no que deixou de ganhar, como o Millenium Festival que ele pretendia iniciar em 2001. O processo caminha com a lentidão normal da Justiça brasileira e o próximo encontro das partes será no dia 7 de agosto, quando serão ouvidas as testemunhas de Bruni Neto. Durante todo esse tempo, os advogados dele dizem que seu cliente sobrevive graças à ajuda de pessoas conhecidas. Está também envolvido em outro processo, de 2007, que tem por objetivo o compromisso de compra e venda de um apartamento na mesma cidade catarinense.
A família, ou parte dela, no entanto, se manteve distante de Livio Bruni Filho. Medo? Não, simplesmente, segundo a irmã, Fernanda, porque a vida que ele escolheu os separou. Acompanham muito à distância o que acontece, a ponto de não saber o presídio em que ele cumpre a pena, nem mesmo o nome da mulher do irmão, Elizabeth. “Não temos qualquer contato”, resume Fernanda. Coincidência ou não, o pai, Livio Bruni, morreu em 2003 – ano em que Bruni Filho fugiu do presídio – de infarto, em sua casa de Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Apesar de sempre ter afirmado que se dava bem com o pai, mesmo com todas as divergências, Bruni Filho teve de amargar não poder se despedir dos pais, nem ao menos em seus enterros. No da mãe, Fernanda, precisou assistir ao funeral de binóculos por conta da quantidade de policiais federais que tentavam encontrá-lo e prendê-lo.
Não há dúvida de que é uma história digna de filmes, muitos como aqueles que parte da família produziu, como Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia. Difícil, no entanto, é arriscar um palpite sobre as próximas cenas, quando o personagem principal é Livio Bruni Filho.

Contagem regressiva
Flávio Jorge Martins, 30 anos de profissão, é o advogado de Livio Bruni Filho. É ele quem explica aqui qual é a real situação de seu cliente. "Ele foi condenado a 28 anos e seis meses de prisão, 18 por homicídio e dez anos e meio por tráfico. Sendo essa última pena extinta, restando os 18, reduzidos para 12, além de ele ter obtido a liberdade condicional, pode ser solto em meados deste mês. Alguns mandados que já foram extintos, no entanto, atrasaram essa liberação, mas já estão esclarecidos. Agora é só aguardar."Segundo Martins, Livio é hoje "um homem recuperado e responsável". Vem trabalhando de dentro da prisão nos negócios do pai e criou até uma ONG para isso. Livio Bruni, o pai, era proprietário de uma seguradora que ficou 30 anos em intervenção federal e foi recuperada por Bruni Filho, há dois anos e meio. Surgiram daí as ações que darão, quando executadas, os recursos para a nova vida de Livio pós-prisão. Para o advogado, a atual mulher de seu cliente, Elizabeth – formada em letras e presidente da ONG do marido – foi, junto com seus três filhos, uma das razões para a recuperação da vida de Livio Bruni Filho.

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