The Lawnmower Man
Em 1983 eu estava no auge de uma espiral.
"Auge" é um termo ambivalente nesse caso, porque eu vivia em êxtase, eu sentia essa espiral como uma espiral ascendente. Em termos sensoriais ela era.
Eu vivia num vórtice. E o que eu sentia como um prodigioso vórtice ascendente de êxtase e sensações... era na verdade um maelström - aproveita e vai ver o que é essa porra e não enche o meu saco: tem que saber inglês.
Eu vivia em estado de aceleração contínua e minha mente era um motor sob forte aceleração, muito forte, muito forte - me dá vontade de chorar quando lembro disso -, constante, queimando óleo por todos os lados. Meus neurônios ferviam e fibrilavam. Exigidos ao máximo, ativados ao máximo, exigidos ao máximo. E essa sensação era, e é, muito real, porque tive contato com ela depois em desintoxicação, durante muito tempo. É conhecida como "sofrimento de neurônios". Os neurônios e, suas sinapses, simplesmente, chacoalham, vibram e balançam, e assim, toda a rede neural.
É irônico, relembrar que durante todo esse processo - prodígios da minha mente - eu seguia lendo muito, muito. Eu sempre li muito.
Lembro até hoje - o que em si é uma dádiva, rsrs - de ler a vida de van Gogh num átimo e num êxtase, começando pelo início de uma noite e atravessando a madrugada toda, lendo em estado de febre. Eu me lembro claramente que eu me sentia febril. Minha estimulação mental era tão grande que um dos resultados é que eu inter-penetrava o livro. Eu vivia o livro. E eu não consegui parar. Como tudo que eu fazia, e fiz, era compulsivo. Um frêmito, um esgar. Um disparo. Não havia como parar.
Eu li a vida de van Gogh numa noite, em estado febril, como se estivesse vendo um filme. Mais, como se estivesse dentro dele. E, ao final - o livro era terrivelmente bem escrito - eu sabia tudo o que van Gogh sentia.
Mas eu não conseguia ver que "vitamina" aquele liquificador estava batendo, porque diferentemente das pessoas - e de mim mesmo, hoje -, eu estava dentro, e não fora.
Em tratamento e desintoxicação, minha mente era, ainda, depositária, veículo de toda uma velocidade inercial assustadora, que, inconsciente, eu mesmo, havia imprimido. Por durante longo tempo - meses e anos - foi assim. Como uma gigantesca locomotiva, cujo motor já foi desligado, mas nem por isso "sabe", ou "cogita" em parar - sinto um arrepio, um aperto de medo no peito, quando rememoro isso. Até eu deixá-la parar. Por si. Por si. E eu a desmonto e remonto, constantemente, nesse processo, como um maquinista acrobata, que, com coragem e humildade, vai, sob todo risco, reparando uma máquina em movimento. Uma máquina, sua máquina.
Porque, ao mesmo tempo em que a teme, a ama, e precisa dela.
2 comentários:
Você é um malabarista formidável que se ama e ama a vida. Por essas entre tantas outras razões, vem com esforço de Gente Grande, aperfeiçoando o equilíbrio nessa passagem sobre o fio da vida.
Você nasceu campeão, muitas comemorações ainda virão, nós sabemos.
Time lapse para 2007 de quando esse texto foi escrito. Obrigado por compartilhar tão sinceramente e latentenente sua experiência.
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