sexta-feira, 21 de setembro de 2007

A Atlântida ressurge
Frédéric de Monicault

Uma nova pesquisa busca conciliar as diferentes visões sobre a localização do lendário continente tragado pelas ondas

Atlântida deve situar-se a oeste do estreito de Gibraltar, no local onde Platão (428-347 a.C.) localizou-a em seus escritos, Crítias e Timeu. Essa é a opinião do geólogo e historiador Jacques Collina-Girard, que bebe na fonte do filósofo grego, o primeiro a discorrer sobre o império dos atlantes. Mesmo que possa parecer curiosa, a hipótese de recuperar a obra clássica ainda não tinha sido elencada na busca pelo continente perdido.
Os trabalhos de Jacques Collina-Girard, publicados nos rigorosos anais da Academia de Ciências Francesa, são convincentes. Originalmente, eles se referem a movimentos de populações entre Europa e África do Norte em plena Era Glacial, há 19 mil anos. Na ocasião, esse pesquisador descobriu como a topografia do estreito de Gibraltar foi profundamente modificada pela variação do nível do mar, que, em 20 mil anos, ganhou cerca de 135 metros.
Em sua reconstituição cartográfica, Collina-Girard sublinha a existência de um antigo arquipélago, situado onde Platão localizara a Atlântida. Evidentemente, o historiador e especialista em geologia do Quaternário leu os textos do filósofo. Graças ao Timeu, soube-se da existência, há 11 mil anos, de “uma ilha, diante da passagem que se chama, segundo os senhores, as Colunas de Hércules”, rebatizadas depois de estreito de Gibraltar.
No coração do arquipélago identificado pelo pesquisador, a ilha de Spartel, 56 metros debaixo d’água, poderia constituir o centro nevrálgico da Atlântida. Essa ilha estende-se por 14 km de comprimento, com 5 km de largura. Essas dimensões reduzidas podem derivar de erro na conversão de medidas egípcias para unidades gregas.
Os novos dados incorporados ao processo são capitais: enriquecem um debate aberto há mais de dois milênios. Muitos escritores de renome já se dedicaram ao tema. Prova disso é que no início dos anos 1980 uma estimativa avaliou entre 2 mil e 10 mil o número de obras, de todos os gêneros, consagradas à Atlântida ou a suas variantes.
À margem dos trabalhos literários, interpretações históricas sucessivas situaram o continente perdido nos quatro cantos do planeta: nas Caraíbas, no mar do Norte, ao largo dos Açores, no Ceilão, perto da Sibéria, no meio do Saara... Sem esquecer Bermudas, as Canárias, a Islândia, o arquipélago de Spitzberg, na Noruega, ou ainda os altiplanos da Bolívia. Algumas dessas tentativas de localização resultaram em expedições. Em 1882, o Jesmond, um navio de comércio britânico, descobriu a oeste da Madeira e ao sul dos Açores uma ilha que não figurava nos mapas. No local, exumaram um sarcófago de pedra contendo uma múmia. Foi o suficiente para que a busca de Atlântida fosse retomada. Mas depois do Jesmond nenhum barco teria conseguido encontrar de novo essa misteriosa ilha.
Em 1981, a hipótese da ilha da Madeira ressurgiria com força graças a oceanógrafos soviéticos. A tripulação do navio Kurchatov declarou ter descoberto a Atlântida 720 km a oeste de Portugal. Como prova, os cientistas russos apresentaram 460 fotografias submarinas do monte Ampere, cujo pico fica 30 metros abaixo da superfície do mar. Nas fotos, apareciam estruturas misteriosas – placas retangulares de cerca de 1 metro de largura.
Algumas décadas antes, o comandante Jacques Cousteau e sua equipe – 30 marinheiros a bordo da embarcação Calypso – também foram atrás do continente perdido. Depois de pesquisas nas Bahamas, nos Açores e nas ilhas Coco, na Costa Rica, Cousteau “localizou” definitivamente a Atlântida no mar Egeu, ao largo da ilha de Creta, onde a civilização minóica da Idade do Bronze (cerca de 1500 a.C.) poderia ser contemporânea da cidade submersa. Aliás, muitos historiadores comparavam espontaneamente os cretenses aos atlantes, que teriam herdado destes a legislação, o artesanato, a arte e o comércio.
Para Cousteau e muitos outros, a Atlântida seria uma parte de Santorini, outrora Stongylé, nascida nas encostas de um vulcão cuja formidável explosão, em 1657 a.C., teria provocado um gigantesco tsunami. Mas, ao contrário do que ocorre na ilha da Madeira, nenhum sinal tangível apóia essa tese. Os mergulhos ao centro da erupção vulcânica grega evidenciam apenas sedimentos, lavas e pedras-pomes. Ao sul de Santorini, em compensação, os vestígios na superfície de uma extraordinária cidade minóica com ruas pavimentadas e entrepostos cheios de cerâmica favorecem uma aproximação com a Atlântida.
Contra isso, numerosas vozes sempre se ergueram – em particular a do historiador Pierre Vidal-Naquet – para sublinhar que a Atlântida nascera apenas da imaginação de Platão. Para fundamentar seus caminhos intelectuais, o filósofo teria criado uma “cidade ficção” culpada de todos os males. Tragada pelas ondas “em um dia e uma noite”, a Atlântida, pervertida pela riqueza e pelas tentações do poder, foi condenada a um castigo supremo. Na passagem escrita por Platão, essa destruição completa faz irresistivelmente pensar na erupção vulcânica que devastou Santorini.
Diante dos questionamentos sobre a existência ou não da Atlântida, todos os observadores reconhecem que tomar o filósofo grego ao pé da letra é um erro: este, em suas teorias relativas à república ideal, tinha necessidade de argumentos evidentes. Aliás, a minúcia dos detalhes com os quais ele descreveu a civilização desaparecida confundia até seus discípulos mais próximos e chegou a causar debates agitados.
É preciso dizer que Platão, tratando também da Atlântida como se fosse uma fábula – referindo-se a lendas transmitidas muitos séculos antes por sacerdotes egípcios –, deixa margem a todas as interrogações: como os navegadores, depois de assistir ao cataclismo, teriam atravessado os oceanos para voltar e contar sua história? Como a história pôde ser passada adiante, uma vez que a escrita ainda não tinha sido inventada? Graças a Jacques Collina-Girard o mistério volta à baila, mantendo, também, sua parte obscura.

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